Tomar Decisões
Laurence Crutchlow explora como discernir a vontade de Deus ao escolhermos a nossa carreira.
Psiquiatria ou Pediatria? Ou talvez Ortopedia ou Obstetrícia? Ou gostar de tudo ao ponto de escolher Medicina Geral e Familiar?
Os cursos na área de saúde são dos poucos que nos direcionam diretamente para uma carreira específica e que são pré-requisitos para um primeiro emprego profissional. Para outras pessoas, é mais flexível; eu conheço um analista de dados que começou por estudar História, assim como um graduado em Estudos de Guerra que agora é juiz.
Mesmo com uma direção de carreira ampla escolhida, a variedade de opções que enfrentamos no fim dos nossos estudos pode ser assustadora. Seguem-se oito dicas para te ajudar a navegar por este labirinto. Vou-me focar mais na medicina, que é onde tenho mais experiência, embora os princípios gerais sejam igualmente aplicáveis a toda a área da saúde.
- Reconhece quem tu segues
“«Eu sou o caminho, a verdade e a vida», respondeu Jesus. “ (João 14:6 BPT)
“O exemplo de Sua Majestade não foi definido pela sua posição ou ambição, mas por quem ela seguiu.” Justin Welby, Sermão para o Funeral de Estado de Sua Majestade a Rainha Elizabeth II. [1]
O que é que realmente nos influencia? Como o Arcebispo de Canterbury compreendeu corretamente nas suas palavras, citadas acima, nem o Soberano é verdadeiramente autónomo. Mesmo que afirmemos uma completa independência, algo nos impulsionará a tomar decisões, sejam valores provenientes da nossa educação, seja a obediência às leis do país em que vivemos ou o conselho de amigos sábios. Noutros momentos, restrições práticas, como alguma doença ou o estado das nossas finanças, podem influenciar as nossas decisões. Portanto, estamos a seguir algo, mesmo que não o percebamos. Mesmo que não queiramos seguir nada nem ninguém, nós fazemo-lo.
Quem seguimos deve estar cristalinamente claro para o cristão. “E vocês, quem acham que eu sou?” (Marcos 8:29 BPT), perguntou Jesus a Pedro. O Deus que seguimos é 'o caminho, a verdade e a vida' (João 14:6 BPT). Ele é o 'Primeiro e o Último' (Apocalipse 1:17 BPT) e a “imagem do Deus invisível: nascido do Pai antes da criação do mundo” (Colossenses 1:15 BPT).
Portanto, se quisermos saber o que fazer, devemos certamente começar por Ele.
- Reconhece que Deus fala connosco e importa-se com as nossas ações
Portanto, se escolher o que fazer começa com Deus, precisamos saber se Ele se importa com o que fazemos e se Ele nos diz algo sobre o que fazer. A resposta para ambas as perguntas é um claro sim.
“Mas agora, que o fim está perto, falou-nos por meio do seu Filho. Foi por meio dele que Deus criou o Universo e a ele destinou como herança todas as coisas.” (Hebreus 1:2 BPT)
“Se me amarem hão de cumprir os meus mandamentos.” (João 14:15 BPT)
Uma exposição detalhada de como Deus fala resultaria num artigo muito longo![2] Para os nossos objetivos atuais, precisamos ter em mente que Deus fala, que o que Ele diz pode ser compreendido e que as nossas ações importam para Ele. Portanto, a Sua Palavra deve ser central nas decisões que tomamos. Isso não se aplica apenas nas decisões 'religiosas', como a maneira certa de orar, nem apenas nas situações éticas complexas, mas inclui também as grandes decisões de vida que tomamos, como escolhas de carreira. Embora a Bíblia nos diga tudo o que precisamos saber para sermos salvos e vivermos uma vida agradável a Deus, ela não nos diz necessariamente tudo o que queremos saber, e às vezes precisaremos de aplicar princípios gerais da mesma para chegar a uma conclusão.
- Deus é soberano - não vamos 'arruinar' o Seu plano
O plano final de Deus é claro - trazer tudo o que há no céu e na terra para a unidade em Cristo.[3]
Já encontrei cristãos que se preocupam muito com o que parecem ser decisões bastante insignificantes, porque estão preocupados com a possibilidade de 'arruinar' o plano de Deus. Embora o seu desejo em obedecer a Deus seja louvável, este nível de preocupação sugere que eles possam não ter entendido completamente a extensão da soberania de Deus. É Ele quem cria,[4] sustenta,[5] dirige a história[6] e, no final, a encerrará e inaugurará um novo céu e uma nova terra.[7]
Mesmo as maiores das nossas decisões não se comparam com estas coisas; de fato, mesmo quando os seres humanos erram, Deus pode usá-los para o Bem Maior.[8]
Portanto, fica tranquilo ao tomar decisões; tu simplesmente não és grande ou importante o suficiente para perturbar os propósitos do teu Criador no universo.
- Deus interessa-se mais connosco do que com a nossa carreira
Ou, por outras palavras, há salvação além da inscrição na Ordem dos Médicos ou dos Enfermeiros! Em nenhum lugar, a Bíblia dá alguma instrução geral para todos os cristãos sobre qual deve ser o seu trabalho. Tanto a Escritura quanto a História da Igreja apresentam o povo de Deus trabalhando em todo o tipo de áreas.
Os maiores desejos de Deus para nós são: que O amemos e amemos ao nosso próximo. [9] Devemos buscar em primeiro lugar o Seu reino e a Sua justiça.[10] A partir da obediência a esses mandamentos, surgirão as respostas para muitas das perguntas que possamos ter.
No entanto, não devemos pensar que Deus não se importa com o que fazemos no trabalho ou como o fazemos. Amar a Deus e obedecer aos Seus mandamentos aplica-se tanto ao local de trabalho quanto a qualquer outro lugar, assim como o amor ao nosso próximo. Só poderemos cumprir estes mandamentos se trabalharmos 'como para o Senhor' (Colossenses 3:23). Embora o nosso trabalho seja importante para Deus, médicos propensos a idolatrar a sua carreira podem facilmente passar a vê-la como uma prioridade maior do que Ele.
- (A maioria) dos cristãos podem trabalhar (na maioria) das profissões médicas com a consciência tranquila
Existem algumas carreiras que claramente não são compatíveis com a obediência aos mandamentos de Deus. Viver com os lucros do roubo em série definitivamente não é compatível com 'Não furtarás'. (Êxodo 20:15) Apenas um pequeno número de áreas no âmbito da saúde se enquadram nesta categoria - por exemplo, ser o médico diretor de uma clínica de eutanásia.
Existem mais funções que, embora não sejam pecaminosas em si mesmas, não são uma opção, pois facilitam claramente a quebra dos mandamentos de Deus. Isso pode incluir um emprego secretarial aparentemente moralmente neutro, que se torna pecaminoso se tu fores o secretário do ladrão em série mencionado acima. Um exemplo para os médicos pode ser a realização de um trabalho em que grande parte do mesmo seja pré-avaliar pacientes para a realização de um aborto. Embora fazer uma anamnese e até mesmo realizar uma ultrassonografia seja moralmente neutro o suficiente, a maioria dos médicos cristãos não desejará facilitar a prescrição de medicamentos abortivos.
Portanto, felizmente, para estudantes de medicina e enfermagem, a lista de 'não fazer' será curta. É verdade que os sistemas de saúde em que trabalhamos não são perfeitos, mas normalmente não encontraremos corrupção sistemática como a que existe noutros lugares do mundo. Os empregos que devemos evitar geralmente concentrar-se-ão em questões morais em que sentimos que não podemos realizar um procedimento específico que consideremos contrário à lei de Deus.
Além desses exemplos óbvios, devemos ter cuidado com escolhas que possam causar dificuldades de consciência para nós, mesmo que essas dificuldades não sejam sobre questões que incomodem todos os cristãos. O estudante convencido de que a Bíblia exige pacifismo enfrentaria muitos desafios como médico militar. Se nos sentirmos muito desconfortáveis em prescrever contracetivos para adolescentes solteiras, é provável que evitemos o planeamento familiar e precisemos pensar cuidadosamente em como isso funcionaria em Medicina Geral e Familiar.
No entanto, devemos ter cuidado para não nos tornarmos tão ansiosos por 'manter as nossas mãos limpas' que acabemos totalmente separados do mundo, vivendo em luta connosco mesmos, sempre que nos seja proposto fazer algum trabalho. Onde exatamente vamos traçar a linha nas questões de consciência é frequentemente uma decisão tomada em oração; podemos exercer o nosso direito legal de objeção de consciência ao aborto e recusar participarmos nisso, mas podemos aceitar que o hospital em que trabalhamos realize abortos sem a nossa participação.
- A sabedoria de Deus
Portanto, relativamente pouco é descartado. Assim, a maioria das nossas decisões será baseada em sabedoria em vez de direções específicas. De facto, a sabedoria pode ser considerada o processo de aplicar princípios gerais como 'amar o próximo' às situações que enfrentamos.
“O princípio da sabedoria é o temor do Senhor…” (Salmo 111:10 BPT) Grande parte da 'sabedoria' realmente vem do nosso primeiro ponto - conhecer quem seguimos. Se vivemos com Deus, sendo a nossa prioridade, a nossa mente é muito mais propensa a conhecer a Sua vontade.[12]
A sabedoria também pode vir do povo de Deus, que podem ser os cristãos da tua família ou da tua igreja. Eles provavelmente não terão uma visão imediata sobre qual deve ser a subespecialidade de ortopedia que tu deves escolher para o teu estágio, mas podem fornecer informações valiosas sobre como tu respondes ao stress, como a tua fé se mantém quando estás ocupado ou cansado, ou como tu lidas com mudanças frequentes de casa ou emprego. Todas estas coisas podem ser parte fundamental do discernimento da escolha certa de carreira.
Deus também pode falar por meio das circunstâncias mais simples; Ele é soberano sobre elas. Se precisamos continuar a morar numa cidade específica, talvez para cuidar dos nossos pais ou de outros familiares, isso já quer dizer algo. Se descobrirmos desde cedo que somos fisicamente inaptos para trabalhar durante a noite, algumas especialidades e contextos claramente serão melhores escolhas do que outros. Deus nos criou e nos usará, através não só dos nossos dons e habilidades, como também através daquelas coisas que não fazemos tão bem.
- Não descartes o 'bom senso'
A sabedoria de Deus também pode vir simplesmente por meio da aprendizagem diária. Tu terás a oportunidade de experimentar algo da maioria das especialidades na faculdade de medicina / enfermagem. Mas a exposição varia, e embora a maioria dos estudantes tenha uma quantidade razoável de experiências em Medicina Geral e Familiar e em Cirurgia, áreas como Otorrinolaringologia e Oftalmologia podem facilmente ser deixadas de lado.
Mas, desde que tu estejas ciente desses vieses, a faculdade deve ajudar. Pode não te dar uma grande visão da vida quotidiana de um cirurgião vascular, mas se tu não suportas ver grandes quantidades de sangue, deve ser óbvio que a Cirurgia Vascular não é a carreira ideal para ti.
Os resultados dos exames ajudam – mas de forma limitada. Os exames da faculdade de medicina geralmente são definidos para garantir que os alunos atingem um nível mínimo seguro de competência, em vez de discernir a excelência. Portanto, a maioria dos alunos costuma obter notas surpreendentemente semelhantes; portanto, estar no 20º percentil em vez do 80º pode significar muito pouco em termos de notas alcançadas e provavelmente não é um bom indicador da aptidão futura do estudante. No entanto, se tu tens uma classificação consistentemente alta num assunto e gostas de dedicar trabalho extra a isso, este pode muito bem ser um campo no qual as tuas habilidades dadas por Deus seriam bem utilizadas.
A questão dos exames continua na pós-graduação; é muito comum a realização de exames de pós-graduação mais de uma vez, e a reprovação ocasional não significa que uma especialidade seja inadequada para ti.
- A AEMC pode ajudar?
Sim! A AEMC tem membros que são médicos e enfermeiros e que trabalham nas mais diversas áreas. Uma conferência da AEMC é um dos poucos lugares onde é absolutamente aceitável abordar um profissional que não conheces e perguntar sobre o seu trabalho e carreira, e como a sua fé desempenha um papel nisso. A maioria não só ficará encantada em ajudar, como também será incentivada pelo interesse dos estudantes.
Concluindo
Compreendo que não tenha dado respostas fáceis ou completas. Parte disso, é deliberado. É evidente que há algumas coisas que os cristãos piedosos devem fazer e não devem fazer. Mas em muitas outras coisas há liberdade. Embora nem tudo seja o mais sábio a fazer, podemos facilmente ficar paralisados pela indecisão, levando-nos a não fazer nada (o que também raramente é a opção certa!).
Compreender a vontade de Deus deveria ser libertador – se vivermos dentro dos seus limites e os nossos corações estiverem inclinados a obedecê-lo, teremos uma liberdade maravilhosa para viver as nossas vidas. Podemos ter confiança nas decisões que tomamos, sabendo que O incluímos nelas. Afinal de contas, na sua soberania, Ele encontrará uma forma de mudar o que estamos a fazer, se assim o desejar.
Então, podemos ser livres para seguir de todo o coração a carreira em que trabalhamos e servir a Deus de forma eficaz ao fazermos isso.
Referências
- Welby J, Sermon for the State Funeral of HM Queen Elizabeth II. https://shorturl.at/ioHX6
- Para mais informações, podes consultar o artigo do site de teologia da UCCF: https://shorturl.at/mtwxF
- Efésios 1:10
- Génesis 1:1
- Colossenses 1:17
- Daniel 4:17
- Apocalipse 21
- Génesis 50:20
- Mateus 22:37-39
- Mateus 6:33
- Para mais informações, vê o seguinte artigo: Crutchlow L and Thomas R. The Place of Conscience in Medicine and Public Life. Nucleus 51(2):16-19. cmf.li/3Hbh9lj
- Romanos 12:1-2
Laurence Crutchlow
Traduzido e Adaptado por Raquel Gordilho, Sara Meleiro e Sara Santágueda
Imagem Kyle Glenn