Como desenvolver a saúde mental?
A saúde mental das pessoas tem suscitado preocupação crescente das autoridades sanitárias, governos e organizações não governamentais, a nível mundial. A pandemia Covid-19 teve um impacto significativo na saúde mental das populações, tendo aumentado os casos de ansiedade, depressão e outros tipos de doença mental durante este período. O que é a saúde mental? Quais os tipos de doença mental? O que diz a Bíblia sobre o assunto? Quais são os fatores de risco, fatores protetores e sinais de alerta de doença mental? Como podemos desenvolver a saúde mental? Qual o papel do perdão neste processo? Procuramos neste artigo responder a estas questões.
O que é a saúde mental?
A Organização Mundial de Saúde definiu saúde mental como o estado de bem-estar no qual o indivíduo tem consciência das suas capacidades, pode lidar com o stresse normal da vida, trabalhar de forma produtiva e contribuir para a comunidade em que se insere. A saúde mental de uma pessoa não é apenas a ausência de alguma doença mental. Está associada ao seu bem-estar e à sua capacidade de amar, trabalhar, de se relacionar com os outros e descobrir um sentido para a vida.
As doenças mentais podem interferir com o pensamento, a perceção da realidade e o humor (estado de espírito), e diferem de sentimentos comuns como a tristeza ou o medo, que qualquer pessoa pode experienciar durante a sua vida. Na maioria das vezes, são causadas por uma combinação de fatores biológicos, psicológicos e sociais. Podem afetar pessoas de todas as idades, género e etnias, ocasionando grande sofrimento, tanto ao paciente como à sua família e comunidade. Apresentam uma elevada prevalência, em todos os países, e são um dos principais motivos de absentismo laboral e reforma antecipada.
As doenças mentais mais comuns, em todo o mundo, são a ansiedade, a depressão, e as relacionadas com o abuso do álcool e outro tipo de dependências. As doenças mentais mais graves, felizmente menos frequentes, são a esquizofrenia, a doença bipolar, e distúrbios alimentares como a anorexia nervosa ou a bulimia. Podem comprometer a autonomia dos pacientes e requerer internamento em unidades psiquiátricas. Contudo, um número significativo de pessoas com doenças mentais não procuram ajuda dos serviços de saúde, não sendo estes casos diagnosticados nem tratados.
O que diz a Bíblia?
A Palavra de Deus reconhece a influência da mente sobre o corpo. Lemos, por exemplo, em Provérbios 17:22, que “o coração bem disposto é remédio eficiente, mas o espírito oprimido resseca os ossos”. O rei David escreveu vários salmos que expressam os seus estados de ânimo. Alguns deles revelam ter passado por períodos de depressão, que poderão ter sido prolongados (Sal. 22, 31, 42, 88). O mesmo aconteceu com o profeta Jeremias, que vivenciou a destruição de Jerusalém e do Templo pelos babilónios (Lam. 3:1-2,6-8,17-18). No entanto, não dispomos de dados suficientes para estabelecer o diagnóstico de depressão clínica nestes casos, apesar de ser uma das doenças mentais mais frequentes.
A doença mental, mencionada na Bíblia como “loucura”, era uma das consequências da desobediência do povo judeu à vontade de Deus (Deut. 28:28,34). Houve uma ocasião em que o rei David finge ter perdido o juízo, para salvar a sua vida (1 Sam. 21:12-15), mas talvez o personagem bíblico mais associado a perturbação mental seja o rei Saúl, devido à sua labilidade emocional, insegurança, ansiedade, acessos de ira, fases de euforia e de depressão, cujo comportamento instável e imprevisível se assemelha a pacientes com doença bipolar (p. ex. 1 Sam. 18 e seguintes). Contudo, parece mais adequado considerar que a conduta de Saúl era o resultado de falhas de caráter e desobediência a Deus, e por conseguinte principalmente de natureza espiritual.
O rei Nabucodonosor da Babilónia experimentou uma fase de loucura, em que se comportou como um animal, uma doença mental rara descrita como boantropia, que é uma forma de paranoia em que o paciente acredita ser uma vaca ou um boi. Neste caso, a sua doença foi a consequência do castigo de Deus pelo seu orgulho e sobranceria, tendo finalmente reconhecido e louvado o verdadeiro Deus (Dan. 4:29-37).
Encontramos também nas Escrituras referência a ocasiões em que grandes homens de Deus, como Moisés, Job, Elias e Jonas, manifestaram o desejo de morrer. O profeta Elias experimentou uma fase de profundo desânimo e desespero, quando é ameaçado de morte pela perversa rainha Jezabel, depois de ter vencido e exterminado os profetas de Baal. A intervenção divina, promovendo descanso, alimentação e hidratação, é ainda hoje uma terapia válida nestas situações (1 Reis 19:1-8).
Fatores de risco, fatores protetores e sinais de alerta
Há vários fatores de risco para doenças mentais e comportamentais, como o acesso fácil a drogas, álcool e jogo, isolamento e alienação, exposição à violência, agressão ou trauma, stresse laboral ou de acontecimentos de vida (como situações de perda de pessoas próximas e significativas), bullying, rejeição por pares, desemprego, desigualdades sociais (pessoas com baixos rendimentos e menor grau de escolaridade são mais predispostas a doenças mentais), falta de competências sociais, abuso ou negligência infantil, imaturidade emocional e descontrolo, insónia crónica, conflitos interpessoais, insegurança económica, solidão, luto patológico.
São fatores protetores interações sociais positivas, participação social (nomeadamente em atividades recreativas, culturais e desportivas), tolerância social, apoio social da família e amigos, boa autoestima, boa capacidade em lidar com o stresse, autonomia, adaptabilidade, literacia em saúde mental, prática de exercício físico e desporto, interação positiva pais-filhos, estimulação cognitiva da nascença à velhice, participação em atividades agradáveis, capacidade de resolução de problemas, consciência do sentido de vida, conhecer Deus e manter um relacionamento íntimo com o Senhor.
Alguns sinais de alerta, que indicam que a saúde mental pode estar fragilizada, incluem: problemas relacionados com o sono, ansiedade ou tensão constantes, alterações de humor, irritabilidade, afastamento de pessoas e atividades, problemas de memória, falta de motivação e de vontade, desesperança e tristeza profunda, impulsividade, intensificação do consumo de álcool ou outras drogas, redução do desempenho no trabalho ou nos estudos.
Há claramente um estigma associado à doença mental, que é ainda um assunto tabu, mesmo entre os cristãos. Admitir um problema do foro mental e procurar a ajuda de um psicólogo ou psiquiatra requerem muitas vezes coragem e determinação, mas poderá ser a única forma de se chegar ao diagnóstico correto do problema e iniciar o tratamento adequado, tendo um vista uma recuperação rápida e completa.
Como desenvolver a saúde mental
Existem algumas formas de desenvolver a saúde mental e prevenir o sofrimento psicológico, das quais destaco as seguintes:
Adotar um estilo de vida saudável, que inclui uma alimentação variada, pobre em hidratos de carbono e açúcares, atividade física regular, bons hábitos de sono, evitando o consumo de álcool, drogas e tabaco.
Saber lidar com o stresse, participando em atividades que dão prazer e bem-estar.
Cultivar bons relacionamentos sociais, investindo tempo em construir relações saudáveis e reduzindo a exposição às redes sociais.
Manter um equilíbrio saudável entre trabalho e vida pessoal e familiar.
Desenvolver todas as dimensões do ser humano - física, mental, social e espiritual, esta última relacionada com o sentido de vida.
Procurar ajuda profissional quando necessário, sobretudo quando os sinais de alerta estiverem presentes.
Perdoar a quem nos ofendeu, prejudicou ou maltratou é, sem dúvida, uma das mais importantes.
A medicina do perdão
Perdoar não significa esquecer, tolerar ou desculpar comportamentos prejudiciais ou abusivos. É uma decisão consciente e voluntária, muitas vezes difícil, que se traduz em aceitação, cura interior e libertação emocional. Disse Jesus: “Não julguem, e não serão julgados. Não condenem, e não serão condenados. Perdoem, e serão perdoados” (Luc. 6:37). E o próprio Senhor deu um exemplo sublime de perdão, quando no momento em que era crucificado na cruz, num sofrimento atroz e inimaginável, ter orado: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Luc. 23:24).
O bispo anglicano Desmond Tutu (1931-2021), que presidiu à Comissão de Verdade e Reconciliação na África do Sul, constituída para investigar violações dos Direitos Humanos na era do Apartheid, escreveu: “Até que possamos perdoar a pessoa que nos prejudicou, essa pessoa terá as chaves da nossa felicidade, essa pessoa será o nosso carcereiro. Quando perdoamos, nós recuperamos o controlo do nosso próprio destino e dos nossos sentimentos. Tornamo-nos os nossos próprios libertadores”.
É claro que o perdão não apaga o passado, mas impede que as experiências negativas do passado envenenem o nosso futuro. O perdão reconcilia-nos com o passado e demonstra que confiamos em Deus em relação ao futuro.
Talvez a maior motivação para perdoarmos seja a nossa experiência pessoal de termos sido perdoados por Deus e termos a consciência de que precisamos de receber perdão pelo mal que, consciente ou inconscientemente, fizemos aos outros (Mat. 6:12).
Dr. Jorge Cruz
Bibliografia
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Imagem: Sasha Freemind