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Apologética: os limites da apologética

Artigo da revista Nucleus da Christian Medical Fellowship (Reino Unido), "de estudantes para estudantes".

Original article: (clique aqui)

Zack Millar considera como mostramos Cristo às pessoas.

Zack é um ex-editor estudantil da revista Nucleus e atualmente é médico interno do Ano Comum em East Anglia

Nenhum dos meus amigos não-cristãos se tornou cristão. É difícil expressar a emoção que eu sinto quando penso nisso. Há uma dor única por cada pessoa, pois é claro que não há nada que eu queira mais do que ver meus amigos mais queridos trazidos a Cristo. Mas muito rapidamente os meus pensamentos se transformam em introspecção, e lamento a minha fé fraca e os meus argumentos presumivelmente ainda mais fracos. “O que devo fazer para ser salvo?” perguntou o carcereiro filipense a Paulo e Silas. [1] “O que devo fazer para salvar os outros?”, pergunto-me. É aí que reside o perigo da apologética. Se acreditamos que podemos conquistar alguém para o h Senhor apenas pela força dos nossos argumentos, pisamos num caminho escorregadio que leva à ansiedade, à dúvida e às vezes até à perda da nossa própria fé. A apologética pode ser uma ferramenta poderosa, que eu acredito que deveria ter um lugar permanente no repertório cristão, mas como qualquer ferramenta, ela não garante o sucesso.

Pedro e Paulo

Recentemente, nos meus momentos devocionais, tenho lido o livro de Actos. Embora a igreja primitiva do Novo Testamento não possa ser usada como um modelo exacto para a vida da igreja moderna, geralmente é um óptimo lugar para começar. O que é que podemos aprender com Paulo e Pedro e os seus discursos poderosos aos judeus e gentios? Paulo é provavelmente a primeira pessoa a fazer apologia da sua fé, conforme registado em Actos 13, 14 e 17. A sua mensagem muda dependendo da audiência - os atenienses no capítulo 17 já são um grupo abertamente religioso que aprecia o debate filosófico, sendo assim Paulo usa o grego e ferramentas de retórica belamente elaboradas. Haveria até pontos que coincidiam com a filosofia estóica dominante na região. Ele argumenta de forma persuasiva de uma maneira que é familiar aos seus ouvintes, mas perfeitamente clara.

O que mais me impressionou, porém, foi a abordagem de Pedro na primeira metade do livro. Ele dirige-se a muitos grupos diferentes de judeus e, ainda assim, a sua estrutura é sempre idêntica. Ele começa com uma parte de contexto histórico ou profecia, geralmente com referência aos seus ancestrais judeus. De seguida, ele proclama a morte e ressurreição de Jesus, antes de voltar para mais história ou profecia. Ele encontra uma variedade de reações, mas não se deixa abater, fazendo o mesmo continuamente. A apologética tem o seu lugar na Igreja do Novo Testamento, mas não é de forma alguma a única maneira de evangelizar. Muitas vezes é melhor simplesmente apresentar o evangelho e mostrar Cristo às pessoas. O próprio Paulo em Romanos 1 escreve que “Deus deixou isso claro para [as pessoas]”.

Bloqueios na estrada e pistas falsas

Pensa sobre a última vez em que discutiste com um membro da família ou ente querido. Uma tática muito comum é tentar desviar a culpa para eles: “Bem, sim, talvez eu me tenha atrasado para o jantar, mas tu não aceitas críticas.” [2] Muitas conversas de apologética se enquadram na mesma categoria. Ser apresentado ao evangelho significa ser confrontado com a tua própria pecaminosidade e inadequação. Significa negares-te a ti mesmo, tomar a tua cruz e seguir a Jesus. [3] Mas se consegues apresentar uma pista falsa intelectual, consegues agarrar-te à possibilidade de que nada disso é verdade e nada se aplica. Tu podes mudar o foco das tuas imperfeições para as supostas imperfeições de Deus. Demasiado foco na apologética pode dar a essas pistas falsas mais tempo de antena do que elas merecem. Nunca devemos ser desdenhosos; devemos sempre reconhecê-las e ser respeitosos. Mas devemos, então, contornar a questão com cuidado e chegar à raiz do problema.

Às vezes, porém, o problema em questão é mais um obstáculo, não uma pista falsa. Alguns dos meus amigos mais próximos são membros da comunidade LGBTQ+ e, para eles, a principal barreira para se tornarem cristãos é que eles sentem que teriam que abrir mão de uma parte significativa da sua identidade. Até onde eu sei, isso não é uma distração, mas um impedimento genuíno e doloroso para eles.

Mais uma vez, acredito que a solução é mostrar Cristo às pessoas - para esta questão em particular, talvez explicar que o cristianismo significa assumir uma identidade nova e melhor e receber um presente muito mais precioso do que aquilo que teriam de abrir mão. Fácil de dizer, é claro; muito mais difícil de viver. Leva isso em conta da próxima vez que pensares em fazer uma competição de perguntas e respostas sobre apologética. Nem toda a gente é um especialista em debates presunçoso e auto-satisfeito que gostaria muito de ver a tua cosmovisão despedaçada. Muitas das conversas que terás serão com uma pessoa assustada e profundamente abalada que está tentando entender o mundo e vivenciando a guerra espiritual em todo o seu horror. Os bloqueios de estrada precisam de ser desmontados, mas devemos fazê-lo com amor e graça. Bisturi elétrico e agrafadores

Muitas vezes era tentado a assistir a vídeos de debate apologético com uma caneta e papel mental (ou literal), anotando os argumentos usados ​​e preparando-me para atirá-los sobre os meus amigos quando menos esperavam. Eu imaginei o equivalente cristão da 'Melhor piada do mundo' de Monty Python - eu entraria em qualquer reunião, proferiria algumas frases perfeitas e sorriria em satisfação beatífica antes de agrupar as massas condenadas em igrejas, para serem batizadas. O meu erro foi acreditar que existia algo como um argumento completamente hermético que venceria qualquer debate apologético. Em vez disso, acho que o máximo que podemos dizer é que alguns argumentos são talvez mais fortes ou mais amplamente aplicáveis, enquanto outros são mais fracos ou mais focados. Voltando à analogia da "ferramenta" por um momento: a diatermia com bisturi elétrico é uma excelente técnica cirúrgica para cortar muitos tipos de tecido, mas não deve ser usada nas camadas externas da pele. Enquanto isso, um agravador é insuperável para agrafar a pele, mas não serve para muito mais.

Todos são diferentes. Desde o segundo em que nascemos, somos influenciados pela nossa formação, educação, genes e personalidade. A qualquer momento, a nossa reação será moldada pelos nossos níveis de energia ou pelo que comemos ao almoço. “Mas Zack, isso parece muito a verdade determinada pelo contexto!” ouço-te a exclamar. Não te preocupes. O meu ponto é simplesmente que o mesmo argumento pode ser suficiente hoje e falhar amanhã. O que funciona para uma pessoa pode não funcionar para outra. O que funciona para uma pessoa numa determinada altura da sua vida pode não funcionar noutro momento. Devemos orar, em vez disso, para que o Senhor, que conhece as pessoas melhor do que elas mesmas, trabalhe nas suas vidas.

A caixa de ferramentas

Quando eu tinha cerca de seis anos, queria muito uma daquelas enormes caixas de ferramentas sobre rodas com sete gavetas e 160 ferramentas diferentes. Claro que eu teria um uso para cerca de três das ferramentas, na melhor das hipóteses, mas o que importava para mim era o status. Isso teria denotado a minha ascensão à masculinidade, a minha habilidade de conquistar qualquer tarefa colocada diante de mim. Nunca consegui a caixa de ferramentas. Ainda assim, frequentemente tentamos construir o equivalente apologético. Ansiamos por ter uma resposta para cada objeção e nunca sermos apanhados desprevenidos. “Está sempre preparado para dar uma resposta a todos que te pedirem para explicar o motivo da esperança que há em ti”, diz Pedro. [4] Certamente, ler mais e estudar mais irá cumprir os requisitos deste versículo? Não. João Calvino coloca isso de forma muito eloquente: “Pedro aqui não nos ordena que estejamos preparados para resolver qualquer questão que possa ser levantada ... [ele] não tinha em vista outra coisa senão que os cristãos deveriam tornar evidente aos incrédulos que eles realmente adoravam a Deus e tinham uma religião santa e boa.” [5]

O Comentário do Púlpito é muito mais direto: “Algumas respostas que todo o cristão deve ser capaz de dar.” Não devemos ficar mudos por medo da rejeição ou perseguição. O único requisito deste versículo é que estejamos preparados para dar uma resposta. O estudo da Bíblia pode aprofundar a nossa resposta e talvez torná-la mais profunda, pelo menos de uma perspectiva humana, mas muitas vezes a melhor defesa é simplesmente contar a nossa própria história.

Semeando e colhendo

“O que devo fazer para salvar os outros?” Eu coloquei esta questão no início deste artigo. Logicamente, se acreditamos que a nossa incapacidade em trazer pessoas a Cristo é responsabilidade nossa, daí decorre que temos de ser nós os culpados. Tentamos os “melhores” argumentos e apresentámo-los como fazem os grandes apologistas. Quando isso falha, tudo o que resta são os nossos relacionamentos pessoais com Deus - e como somos humanos, esses relacionamentos serão imperfeitos. As fissuras na nossa vida cristã misturam-se com as fissuras nos nossos argumentos, até que começamos a acusar-nos de hipocrisia ou a concordar com as próprias dúvidas que procuramos dissipar. Vemos pessoas, que são os nossos modelos de comportamento, aparentemente trazendo muitas pessoas à fé e dizemos a nós mesmos que, certamente, se fôssemos cristãos autênticos, veríamos resultados. A premissa inicial de tal raciocínio é falsa, porque é claro que não fazemos nada disso pela nossa própria força. Cada alma trazida para o reino foi primeiramente escrita no Livro da Vida. ”E aos que [Deus] predestinou, a estes também chamou; e aos que chamou a estes também justificou; e aos que justificou a estes também glorificou.” [6]

Se o Espírito Santo não agiu para amaciar o coração do nosso ouvinte, então cada palavra que dissermos será como a semente que caiu no caminho, no solo rochoso ou entre os espinhos. A resposta à minha pergunta é, portanto, simples: para salvar os outros, devemos orar antes de mais nada. Se não tivermos sucesso imediato, isso não significa que a nossa fé é fraca, o nosso entendimento é superficial ou a nossa oração é ineficaz. Descobri recentemente que uma amiga minha se tornou cristã, afinal. Tivemos uma “boa conversa” três anos antes e ela parecia tão arraigada na sua visão do mundo que nada do que eu disse pareceu influenciá-la. Mesmo assim, sem que eu soubesse, um ano depois ela começou a frequentar uma igreja e, um ano depois, entregou a sua vida a Cristo. Posso nunca saber se isso teve alguma coisa a ver comigo, mas Deus teve o seu próprio tempo perfeito. Às vezes saímos com a esperança de fazer a colheita e acabamos plantando as sementes. Isso aconteceu até com o próprio apóstolo Paulo, e ele reconhece a verdadeira fonte de toda a persuasão. “Eu plantei a semente, Apolo regou, mas Deus deu o crescimento.” [7] “Portanto, o ditado 'Um semeia e outro colhe' é verdade.” [8]

Referências:

  1. Atos 16:30
  2. Não é representativo de nenhuma conversa que já tive com os meus pais
  3. Mateus 16:24
  4. 1 Pedro 3:15
  5. Calvin C. Commentary on the Catholic Epistles. 1551. Translated to English Rev John Owen, 1855
  6. Romanos 8:30
  7. 1 Coríntios 3:6
  8. João 4:37

 

Tradução: Carla Lima
Revisão: Jorge Cruz e Lilian Calaim