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Liderar: a liberdade de dizer "Não"!

John Greenall explica por que não é mais um “homem do sim”

John Greenall é o CEO associado da CMF UK e trabalha como pediatra em Bedfordshire

Artigo da revista Nucleus da Christian Medical Fellowship (Reino Unido), "de estudantes para estudantes"

Original article: (clique aqui)

Tenho uma confissão a fazer. Eu secretamente gosto de muitos dos filmes do Jim Carrey. Embora a minha esposa o considere exagerado e infantil, há algo nele que atrai o meu sentido de humor juvenil. Recentemente, assisti a Yes Man, onde ele é desafiado a dizer “sim” a tudo, com consequências hilariantes (e às vezes dolorosas). O filme trouxe-me à memória uma conversa recente com um estudante de medicina do quarto ano que chamaremos de Simon. Ele resumiu a vida de muitos estudantes de medicina que conheci. Ele joga na equipa de frisbee (lançamento de disco), dirige os serviços online da sua igreja aos domingos, co-lidera o grupo da CMF local e trabalha em turnos noturnos ao fim-de-semana num supermercado, para conseguir pagar a renda. Ele também foi convidado para liderar o Grupo de Jovens na sua igreja nas noites de sexta-feira e está avaliando a possibilidade de fazer um curso de mentoria online depois de ler a última edição da Nucleus! [1] Comentei que ele parecia cansado e a sua resposta foi interessante: “Parece que digo sim a tudo”.

A liberdade do não

Uma das lições de liderança mais profundas que aprendi é a capacidade de dizer não. Na verdade, a marca da tua liderança, tanto em relação a ti próprio, como em relação aos outros, não é aquilo a que dizes sim. É aquilo a que dizes não. Dizer não é incrivelmente libertador, não só para nós, mas também para as pessoas que nos perguntam. Devemos lembrar que sempre que dizemos “sim” a uma coisa, estamos a dizer “não” a outra. Pode ser a outra oportunidade, ao nosso trabalho, a um relacionamento, ao sono, ao descanso ou ao tempo com Deus. Quando não dizemos “não”, corremos o risco de acontecerem várias coisas: ficarmos esgotados, enganarmos os outros, e deixarmos de cumprir as prioridades para as quais Deus nos chamou.

Por que é tão difícil dizer não?

Frequentemente, os médicos são solicitados a fazer todo o tipo de coisas porque geralmente somos responsáveis, empáticos e capazes. Dizer não é difícil por vários motivos. Em primeiro lugar, essas são muitas vezes ótimas oportunidades e algo a que podemos acrescentar valor. Em segundo lugar, dizer não corre o risco de desapontar os outros ou provocar conflitos. Pode ferir o nosso orgulho admitirmos as nossas limitações numa cultura que valoriza tanto a atividade e a produtividade. Podemos “temer o homem” e a forma como somos valorizados mais do que tememos a Deus. [2] Por fim, lutamos pessoalmente porque muitas vezes não temos uma ideia clara de como priorizar o que é mais ou menos importante. Isso resulta em reagirmos às oportunidades em vez de respondermos de forma proativa. Embora seja difícil, pode ser mais educado - tanto para nós mesmos quanto para os outros - dizer não.

O que Jesus faria?

Jesus é um grande exemplo de alguém que conhecia as suas prioridades. A sua vida foi modelada pelo “Manifesto de Nazaré”: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar boas novas aos pobres. Ele me enviou para proclamar liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e proclamar o ano da graça do Senhor”. (Lucas 4:18-20).

Apesar disso, cada um tinha a sua própria agenda para Jesus. As multidões queriam torná-lo rei; outros queriam que ele liderasse uma revolução; os fariseus queriam que ele interrompesse o seu ministério; os que estavam enfermos exigiam cura; as pessoas seguiam-no mesmo quando ele estava exausto. Apesar de outros procurarem controlar as suas prioridades e às vezes até ameaçá-lo, [3] Jesus resistiu a essas exigências. Ele reafirmou a sua prioridade de pregar [4] e de passar tempo com o seu Pai, retirando-se para um lugar tranquilo para orar. [5] Nós também devemos estar prontos para desafiar as expectativas que as pessoas têm de nós e estarmos prontos para ajudá-los a compreender as nossas prioridades centradas em Cristo. [6]

Como enches a tua jarra?

Uma analogia útil aqui é considerar como encher uma jarra de maneira ideal com rochas, pedras e areia. Jesus viveu uma vida plena, [7] dizendo sim a muitas coisas, e ainda assim foi muito assertivo sobre o quê e a quem disse sim. Ele sabia em que ordem enchia a sua “jarra do tempo”. Essas prioridades-chave - ou rochas - para nós são geralmente compromissos essenciais como família, [8] estudos [9] e adoração regular. [10] A cada seis meses eu faço uma revisão das minhas prioridades em torno das responsabilidades que Ele me deu: a minha lista consiste em: relacionamento com Deus, vida/saúde pessoal, relacionamentos (família, amigos), igreja e trabalho. A tua, se fores estudante, incluirá os teus estudos e talvez outras coisas.

Para cada uma das minhas cinco responsabilidades, tenho um versículo e uma declaração de missão que é pessoal. Para “relacionamento com Deus” o meu versículo é Gálatas 4:6-7. A minha declaração de missão é: “Eu sou filho, não sou escravo. Sou amigo de Deus e quero cultivar uma relação de amizade com Ele. Eu pratico a gratidão e levo as minhas preocupações e pensamentos a Ele diariamente”. De seguida, assumo uma série de compromissos que são prioritários para mim. Estas são as minhas “rochas” e incluem: desligar o meu telefone a partir das 21h30 e ligá-lo a partir das 7h; passar tempo diariamente com Deus quando acordo; o meu foco é aproveitar o tempo com Deus, mais do que realizar uma tarefa. Sei que, se não fizer estas coisas, as outras coisas da vida não correrão muito bem.

Outro exemplo está em “pessoal/saúde”. O meu versículo é o Salmo 139:17-18, com a declaração de missão “Eu sou um ser humano amorosamente criado à imagem de Deus e extremamente valioso. Mas tenho limites que preciso de respeitar. Mostro auto-controle e sou capaz de descansar e relaxar, compreender que a minha identidade resulta de ser aceite por Deus”. Os meus compromissos incluem: dormir em média oito horas todas as noites, praticar exercício físico quatro dias por semana, comer refeições saudáveis e controlar o peso. Mais uma vez, sei que quando começo a dizer sim a coisas que obrigam a dizer não a estes compromissos já assumidos, não vai correr bem. [11]

Como posso dizer não por mim?

Quando alguém me pede para dizer sim a uma coisa nova, geralmente respondo de três maneiras. Em primeiro lugar, agradeço o pedido. “Obrigado por perguntares, vejo que este é um trabalho importante e significativo”. Em segundo lugar, não respondo de imediato. Em vez de uma resposta "reativa", reflexa, eu posso dizer: “podes enviar-me um e-mail com mais detalhes?” ou posso dizer “para dizer sim a isso, eu terei de dizer não a outra coisa na minha agenda. Preciso de ter isso em consideração”. Procurarei então orar sobre isso, considerar os meus compromissos na fase da vida em que estou, sondar os meus motivos, buscar conselhos sábios e trabalhar as implicações de um novo “sim” na minha vida. Em terceiro lugar, respondo. Devemos honrar as pessoas com uma resposta, em vez de ignorá-las. Um “não” categórico significa que eles podem pedir a outra pessoa, que pode ser a pessoa certa para a função. Podem ser desperdiçados muito tempo e energia com a procrastinação e a falta de uma comunicação clara.

Como posso dizer não aos outros?

Finalmente, há momentos em que precisamos de estender a “liberdade de dizer não” àqueles que lideramos. Considera, por exemplo, a pessoa que deseja fazer parte do grupo de louvor da tua igreja. Eles claramente têm uma voz que não é a melhor. Queres encorajá-los, mas sabes que não deves dizer sim! No entanto, na minha experiência, a maioria das pessoas diz sim, o que torna a tarefa de dizer não posteriormente muito mais difícil.

Considerar que não é possível ser simpático e dizer “não” presta um péssimo serviço às pessoas. Um “não” educado [12] pode poupar meses e até anos de dor por se estar no lugar errado, quando eles poderiam ser muito mais eficazes fazendo outra coisa. Geralmente eu começo por ajudar as pessoas a dizer não por si mesmas. Por exemplo, eu posso dizer “se liderasses o louvor sozinho, sem nenhuma experiência, isso poderia colocar-te numa situação muito exigente”. Podes também usar as palavras deles: “Acabaste de compartilhar que estás ocupado de momento, sem tempo para descansar. Isso pode colocar-te numa situação complicada. Achas que faz sentido?”. Além disso, garantir que tens uma cultura de avaliação e feedback cria momentos em que podemos dizer não.

É importante para a nossa liderança que nós e aqueles que lideramos tenhamos horários planeados para verificar como estamos a andar, receber feedback e ter a oportunidade de renovar o nosso sim ou expressar livremente um não. Portanto, continuarei a gostar dos meus filmes de Jim Carrey. E embora não queira ser conhecido como o “Dr. Não”, para mim os dias de ser um “homem do sim” acabaram. E contigo?

Pontos-Chave

  1. Quais são as consequências de não dizeres “não” que reconheces na tua vida?
  2. Priorizaste as tuas “rochas”, “pedras” e “areia”? Escreve algumas delas agora. Como é que isso afeta o quão reativo ou pró-ativo tu és?
  3. Existem áreas na tua vida às quais precisas de dizer "não"? Por que não anotá-las e fazeres um plano firme para seguires no próximo mês?
  4. Se estiveres liderando uma equipa, qual é a principal lição que tiras deste texto, para garantir que tenhas as pessoas certas nos lugares certos?

Referências

  1. Greenall J. Leadership: Mentoring. Nucleus 2020; 50 (3): 24-27
  2. por exemplo, Provérbios 29:25
  3. Lucas 13: 31-33
  4. Lucas 4:44
  5. Lucas 5: 15,16
  6. Mais informações sobre gestão de tempo segundo a Bíblia podem ser encontradas em Saunders P. Time Management, Jesus Style. Nucleus Summer 2008: 27-33
  7. João 21:25
  8. por exemplo, 1 Timóteo 5: 8
  9. Ver 1 Coríntios 10:31; Colossenses 3:17 e Greenall J, Bunn A. Working for Jesus. Nucleus. Freshers Edition: 22-23
  10. Hebreus 10:25
  11. Para mais informações consulte um livro curto e útil: Challies T. Do More Better. Minneapolis: Cruciform Press, 2015, e outro recurso fantástico que eu uso é Newell A. Revisioning
  12. Provérbios 15: 1-2

 

Tradução: Carla Lima
Revisão: Jorge Cruz e Lilian Calaim