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Quem sou eu verdadeiramente?

Artigo da revista Nucleus da Christian Medical Fellowship (Reino Unido), "de estudantes para estudantes".

Original article: (clique aqui)

Num mundo onde podes ser qualquer coisa, sê gentil.

Impressas num poster, estas palavras cumprimentam-me todas as vezes que entro na escola onde sou conselheira. De certa forma, concordo: podemos escolher tratar os outros de várias formas e, é claro, devemos sempre escolher a gentileza. Mas esta declaração tem a suposição filosófica de que não escolhemos apenas agir como queremos, mas de que podemos escolher ser o que quisermos. Supõe que criamos a nossa própria identidade. Essa ideia está enraizada no existencialismo, uma filosofia ateísta que argumenta que o "significado" de uma pessoa é criado apenas pelas suas ações e pelo que ela faz da sua vida. [1] O existencialismo impregnou a nossa cultura e foi aceite sem muitas questões, porque nós gostamos de acreditar que estamos no controle. A nossa sociedade adora nos altares da autonomia e do individualismo. Com os mantras de 'tu podes ser qualquer coisa que tu decidires' e 'tu escreves a tua própria história' cantados aos nossos ouvidos, podemos deixar de reconhecer a suposição da nossa cultura de que não somos criaturas feitas por Deus, mas sim os nossos próprios criadores, os deuses desta época.

A sociedade também diz que a tua identidade e senso de identidade se baseiam na forma como experimentas o teu mundo interior: os teus pensamentos, sentimentos, crenças e ideias. Portanto, ninguém pode dizer quem tu realmente és, esta é a 'tua verdade' que é descoberta quando olhas para dentro de ti. 'Não há verdade ... então posso ser o que eu digo que sou.' [2] No entanto, se os meus pensamentos e sentimentos podem mudar drasticamente com o tempo, como posso saber quem realmente sou?

Todos nós precisamos de fundamentar a nossa identidade nalguma coisa, caso contrário, não teríamos nenhum senso de propósito e direção, nenhum senso de onde nos encaixamos no mundo. Então, no que é que a maioria das pessoas tenta basear a sua identidade? A maior parte de nós, olha para as várias categorias sociais em que nos encaixamos: a nossa idade, género, etnia e cultura, a nossa profissão ou funções como estudante, o nosso status relacional, habilidades e conquistas, traços de personalidade e até mesmo naquilo que gostamos ou não. Isto é compreensível porque essas categorias são importantes para nós, ajudam-nos a ter um sentimento de pertença, mas ao mesmo tempo descrevem os vários factores que se combinam para nos tornar únicos. 'As categorias em si não estão erradas ... o problema surge quando pedimos que elas façam mais do que aquilo que conseguem fazer - quando pedimos que elas sustentem tudo o que somos.' [3]

Por exemplo, eu poderia dizer que sou uma mulher, uma médica, uma conselheira, sou da Irlanda do Norte, uma tia babada, uma “dog lover”, uma introvertida extrovertida e uma consumidora compulsiva de chá. Eu sou todas estas coisas, mas elas não descrevem tudo o que eu sou. Na verdade, nenhuma delas descreve a essência de quem eu sou, nenhuma delas define a minha identidade ou me diz qual é o meu propósito na vida. João Calvino disse 'sem conhecimento de Deus não há conhecimento de si mesmo'; [4] portanto, a única forma de encontrar e viver a minha verdadeira identidade não é olhar para dentro de mim, mas olhar para além de mim mesmo, para Jesus para descobrir quem Ele é e quem Ele diz que eu sou.

A Bíblia diz-nos que, desde a rebelião de Adão e Eva, todos nasceram sob a maldição do pecado e da morte. [5] No entanto, para os de nós que confiaram em Cristo para perdoar os nossos pecados, essa maldição foi levantada, e nós fomos realmente vivificados para desfrutar de um relacionamento eterno e ininterrupto com Deus e cada um de nós tornou-se uma 'nova criação'. [6] Temos uma nova identidade. Mesmo que saibamos disso nas nossas mentes, muitos de nós deixamos de o entender verdadeiramente e, portanto, deixamos de acreditar e de o viver. Muitos de nós ainda olhamos principalmente para as nossas conquistas, aparência, funções e relacionamentos para encontrar o nosso sentido de valor e propósito, enquanto afirmamos que nossa identidade está 'enraizada em Cristo'.

Então, que identidade é essa que nos foi dada em Cristo e como isso deve moldar as nossas mentes e as nossas vidas? Existem vários aspectos dessa identidade que podemos explorar, mas optei simplesmente por focar-me em quatro como uma introdução a este tópico.

Filho amado de Deus

'Vede que grande amor o Pai tem por nós, para que sejamos chamados filhos de Deus! E isto é o que nós somos!'
(1 João 3: 1)

Sinclair Ferguson diz que ser filho de Deus 'é a maneira - não a única, mas uma fundamental - como o cristão deve pensar sobre si mesmo. Nossa autoimagem, se for bíblica, começará exatamente aqui. ' [7] Assim como o sentido de identidade de uma criança é moldado pela maneira como os seus pais se relacionam com ela, o fundamento da identidade de todo o cristão deve ser a verdade de que somos profundamente amados pelo nosso Pai celestial. Satanás quer fazer-nos crer que somos escravos que precisam de trabalhar cada vez mais árdua e constantemente para ganhar o favor de Deus, ou que somos órfãos abandonados por Deus, não amados e desprotegidos. Isto não é verdade. [8] Somos filhos amados que nunca podem ser separados do amor do nosso Pai. [9] Quando descansamos seguros no amor do nosso Pai, já não precisamos de procurar a aprovação e aceitação dos outros; ao invés disso, ansiamos por agradar a nosso Pai acima de tudo e nos deleitar em estar na Sua presença e obedecer aos seus mandamentos.

Portadores da imagem de Deus

'Assim, Deus criou a humanidade à sua própria imagem ...'
(Génesis 1:27)

A partir da narrativa da criação, vemos que a humanidade foi criada para refletir a glória de Deus; espelhar a sua beleza e bondade para que todos pudessem ver. No entanto, desde a queda, essa imagem foi destruída para além do reconhecível e maculada pelo pecado. No entanto, para aqueles que estão em Cristo Jesus, o Espírito Santo está a trabalhar dentro de nós para nos transformar à semelhança de Cristo, para que possamos cada vez mais viver o nosso propósito como portadores dessa imagem. No entanto, esta transformação só pode ocorrer olhando continuamente para a beleza de Cristo e permitindo ao Espírito o tempo e o espaço para trabalhar dentro de nós. Se realmente entendêssemos que fomos projetados para refletir a imagem de Deus, então passaríamos muito menos tempo a preocuparmo-nos com a forma como os outros nos vêem e mais tempo concentrados em como podemos glorificar a Deus e direcionar outros para ele. Também seria prioridade passar tempo com Deus e orar para que o Espírito produza frutos nas nossas vidas.

Membro do corpo de Cristo

'Mas vós sois um povo escolhido, um sacerdócio real, uma nação santa, possessão especial de Deus, para que possais declarar os louvores daquele que vos chamou das trevas para a sua luz maravilhosa.'
(1 Pedro 2: 9)

Conforme explorado anteriormente, a nossa sociedade ocidental, com a sua mentalidade individualista, prega a mentira de que a identidade é encontrada quando olhas para dentro de ti, descobrindo quem tu és ou criando quem gostarias de ser. É tudo sobre ti como um indivíduo. No entanto, devemos rejeitar essa ideia. No versículo acima, vemos que Deus nos resgatou para sermos um 'povo', 'nação', 'sacerdócio' e 'raça' para Si mesmo. Nenhuma dessas palavras descreve os cristãos individualmente, mas ao invés disso descreve a igreja como um todo: somos salvos para sermos membros do corpo de Cristo. Somos criados para a comunidade. Este anseio por uma conexão autêntica com os outros é a marca de um Deus relacional que sempre existiu dentro da comunidade da Trindade e nos projetou para o relacionamento consigo mesmo e com os outros. É no relacionamento com Deus e com o seu povo que descobrimos quem realmente somos e podemos viver plenamente a nossa identidade. Ao amar, servir, ensinar e admoestar uns aos outros, a igreja é capaz de 'proclamar as excelências' de Deus e refletir a Sua glória de uma forma que nenhum indivíduo jamais poderia. [10]

Cidadão do céu

'Mas a nossa cidadania está no céu. E esperamos ansiosamente um Salvador de lá, o Senhor Jesus Cristo. '
(Filipenses 3:20)

CS Lewis disse certa vez: 'Devo manter vivo em mim o desejo do meu verdadeiro país'. [11] Todos ansiamos pelo lar, quer este se encontre num determinado lugar ou nas relações das quais fazemos parte: ansiamos por nos sentir amados, por nos sentir seguros, por encontrar conforto e pertencer. [12] O problema é que muitos de nós, cristãos, nos esquecemos de onde está o nosso verdadeiro lar e procuramos satisfazer os nossos mais profundos anseios com as coisas deste mundo. No entanto, as coisas deste mundo são transitórias: os relacionamentos podem nos dececionar ou prejudicar, entes queridos podem morrer, países podem ser devastados pela guerra ou as nossas casas podem ser destruídas por enchentes. No entanto, os cristãos têm um lar eterno com Cristo e a nossa cidadania está no céu, não nesta terra. Se realmente apreendessemos esse aspeto da nossa identidade, tentaríamos encarar as coisas deste mundo com mais leveza. Colocaríamos a nossa esperança somente em Cristo, reconhecendo que este mundo é frágil e acabará por morrer. Da mesma forma, investiríamos mais tempo, energia e finanças na construção do Seu reino e acumulando para nós um tesouro no céu que nunca pode ser roubado ou destruído. [13]

Então, quem sou eu verdadeiramente?

Este é um tópico extenso que abordámos apenas superficialmente, mas ao explorar apenas quatro aspetos da nossa identidade em Cristo, podemos ver como uma convicção mais profunda dessa identidade mudaria a forma como nos vemos e vivemos o nosso propósito neste mundo. Portanto, vamos viver como filhos amados seguros no amor do nosso Pai, refletindo a semelhança de Cristo, devotos ao Corpo de Cristo e aguardando ansiosamente pelo nosso verdadeiro lar com Ele.

O fundamento da identidade de cada cristão deve ser a verdade de que somos profundamente amados por nosso Pai celestial.

Referências

  1. Jankovic R. “Tu quem? Por que é que tu és importante e como lidar com isso.” Moscow: Canon Press, 2019:30-31
  2. Fuller M. “Seja verdadeiro consigo mesmo” Surrey: The Good Book Company, 2020: 82
  3. Anderson H. “Reflexo: feito à imagem de Deus.” In: Kruger M. (ed.) Identity theft: Reclaiming the truth of who we are in Christ. Deerfield: The Gospel Coalition, 2018:20
  4. Calvin J. Institutes of the Christian Religion. Beveridge H, translator. London: Arnold Hatfield, 1599
  5. Romanos 5:12
  6. 2 Coríntios 5:17
  7. Ferguson S. “Filhos do Deus Vivo” Edinburgh: The Banner of Truth Trust, 2011:2
  8. Doctor C. Child: “Amado pelo pai.” In: Kruger M. (ed.) Identity theft: Reclaiming the truth of who we are in Christ. Deerfield: The Gospel Coalition, 2018:31-44
  9. Romanos 8: 38-39
  10. Hill M. “Membro: Conectado à Igreja.” In: Kruger M. (ed.) Identity theft: Reclaiming the truth of who we are in Christ. Deerfield: The Gospel Coalition, 2018:69-79
  11. Lewis CS. “Mero Cristianismo.” London: Harper Collins, 2012:137
  12. Michel JP. “Cidadão: saudades de casa”. In: Kruger M. (ed.) Identity theft: Reclaiming the truth of who we are in Christ. Deerfield: The Gospel Coalition, 2018:127
  13. Foto: cmf.org.uk