Este site utiliza cookies da Google para disponibilizar os respetivos serviços e para analisar o tráfego. O seu endereço IP e agente do utilizador são partilhados com a Google, bem como o desempenho e a métrica de segurança, para assegurar a qualidade do serviço, gerar as estatísticas de utilização e detetar e resolver abusos de endereço.

Saber mais

A justiça de Deus: será Deus justo?

Artigo da revista Nucleus da Christian Medical Fellowship (Reino Unido), "de estudantes para estudantes".

Original article: (clique aqui)

Marolin Watson considera a nossa visão de Deus.

Marolin é a coordenadora das equipas da CMF que trabalham com Estudantes, Enfermeiros e Parteiras.

Se nunca leste o Antigo Testamento do princípio ao fim, não vais perceber por que é que cientistas como Richard Dawkins, intelectuais como Christopher Hitchens, filósofos como Daniel Dennett e até mesmo o ponderado ator Stephen Fry responderiam a esta pergunta com um retumbante "NÃO". O problema com todos estes pensadores é que eles estão a ler a Bíblia através das lentes da moralidade do século XXI. E assim, Richard Dawkins declara, em The God Delusion (A Desilusão de Deus), que Deus é "sem dúvida a personagem mais desagradável de toda a ficção: é ciumento e tem orgulho nisso; um controlador mesquinho, injusto e implacável; um depurador étnico, vingativo e sanguinário; um agressor misógino, homofóbico, racista, infanticida, genocida, filicida, pestilento, megalomaníaco, sadomasoquista, caprichosamente malévolo”. [1]

Portanto, vamos analisar cada uma destas afirmações e ver se há alguma base para elas.

Terá Deus ciúmes e orgulho nisso? Certamente, Deus descreve-se muitas vezes como um Deus ciumento, principalmente no primeiro mandamento, como lemos em Êxodo 20:5: “Não te prostres diante deles [ídolos] nem os adores; pois Eu, o Senhor teu Deus, sou um Deus ciumento, punindo os filhos pelo pecado dos pais até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam…”. E aqui vemos uma das razões pelas quais Deus é considerado por Dawkins como um ser injusto bem como ciumento. Será justo punir os filhos pelos pecados dos seus pais?

Mas, continuando - será Deus mesquinho? Quando se leem as minúcias das leis cerimoniais e sociais descritas em Levítico, podes ficar tentado a concordar. Porque haveria de importar se se plantam dois tipos de cultura num campo, ou se se usa roupa tecida a partir de dois tipos de material [2] - ambas práticas comuns hoje em dia? Porque é que os homens não devem cortar o cabelo nos lados da cabeça ou aparar as pontas da barba? [3]

Será Deus injusto? Ao leres o Antigo Testamento encontrarás exemplos em que, aos nossos olhos, Deus não está a agir de forma justa ou consistente. Por que é que Saúl (e os seus descendentes) são afastados da realeza por oferecer sacrifícios a Deus, não autorizados mas compreensíveis, antes de uma grande batalha, [4] quando o reino de David perdura apesar do seu adultério e do assassinato, por delegação, do marido injustiçado quando ele é incapaz de o enganar para que acredite que o bebé resultante da relação é seu? [5] Salomão, o produto desse relacionamento adúltero, termina a sua vida em desgraça, acompanhando as suas muitas esposas estrangeiras na adoração de falsos deuses. [6] No entanto, a promessa de um reinado perpétuo para a sua linhagem familiar não lhe é retirada, embora seja sobre um reino muito reduzido a curto prazo. [7]

E sobre a história do “homem de Deus” encontrada em 1 Reis 13? Tendo colocado a própria vida em risco para entregar uma mensagem profética ao ímpio rei Jeroboão e tendo sido o condutor de dois milagres notáveis ​​nesse processo, ele recusa a oferta de comida à mesa do rei. Deus instruiu-o a “não comer pão nem beber água aqui''. Mas quando um profeta idoso o intercepta e diz que Deus o instruiu a oferecer hospitalidade ao homem de Deus (que está a mentir por uma razão não explicada), o homem de Deus crê na sua palavra e come e bebe com ele. Por este ato de “desobediência”, ele é morto por um leão na estrada. O castigo parece desproporcional ao ato.

Consideramos que a escravatura é injusta, no entanto em nenhuma parte da Bíblia essa prática é condenada. Pelo contrário, as leis para o tratamento de escravos estão incorporadas no código, [8] e Paulo exorta os escravos a serem obedientes aos seus senhores, embora também exija que os senhores que sejam crentes tratem bem os seus escravos. [9]

Controlador?

“Controlador implacável”? Não há dúvida que Deus exige obediência total - e a desobediência às vezes é tratada de maneiras que nos parecem severas, envolvendo não só o culpado mas também as suas famílias (por exemplo, no caso de Corá, Datã e Abirão; [10 ] e Acã [11]).

“Depurador étnico vingativo e sanguinário” e "genocida''? Muito tem sido escrito pelos crentes para justificar o massacre em massa dos antigos habitantes da terra prometida, muitas vezes incluindo mulheres, crianças e gado, por Josué e o seu exército. A maioria de nós não concordará com a ideia de Alister McGrath no seu livro The Dawkins Delusion, de que os judeus "estavam a entender a sua situação humana em relação a um Deus sobre cuja natureza o seu pensamento se tornou cada vez mais desenvolvido no milénio durante o qual o material que constitui estas Escrituras estava a ser produzido..."[12] Isto parece implicar que eles podem ter-se enganado nas instruções de Deus para exterminar os habitantes da terra prometida a Abraão e aos seus descendentes. Para aqueles com uma visão elevada da inspiração bíblica, esta não é uma opção.

Discriminatório?

Será Deus “misógino, homofóbico e racista”? De acordo com a cultura da época, as mulheres (e meninas) são, na melhor das hipóteses, pequenas protagonistas no drama bíblico e, às vezes, consideradas posses masculinas, juntamente com o gado. [13] A menstruação torna a mulher e tudo em que ela se senta ou deita cerimonialmente "impuro" durante sete dias. Qualquer pessoa que tocar nela ou em qualquer coisa em que ela se sentar ou se deitar durante esse período deve lavar-se e lavar as suas roupas e ficará impuro até ao anoitecer. [14]

A prática homossexual é inequivocamente condenada, tanto no Antigo como no Novo Testamento, [15] mas será que isso torna Deus homofóbico? Os ateus pensam assim porque para eles parece uma proibição arbitrária.

Racista?

Será Deus racista? Podemos considerar "racismo" a Sua escolha da nação judaica acima de todas as outras, mas existem leis que exigem que os estrangeiros que vivem entre eles sejam tratados com justiça [16], desde que, claro, não sejam tão numerosos a ponto de subverter a adoração do verdadeiro Deus, como muitas vezes aconteceu.

E quanto a 'infanticida' e 'filicida'? Além da matança de crianças que ocorreu durante a invasão da terra prometida, ao contrário de muitas outras nações da época, há apenas uma ocasião em que Deus pede a alguém para sacrificar uma criança - o conhecido caso de Abraão e seu filho Isaac. [17] Deus não deu seguimento a isso, fornecendo uma alternativa no último momento, e os cristãos reconhecem que Abraão estava a ser testado como o antepassado daquele que mais tarde seria sacrificado para nos redimir a todos. Mas mesmo isso é motivo de ofensa - o próprio Deus é visto como filicida.

Assassino?

Iremos ignorar os últimos adjetivos que Dawkins usa para descrever Deus, pois já foi dito o suficiente para mostrar que os ateus podem ter alguma justificação para a sua baixa visão de Deus.

Se já leste o Antigo Testamento do princípio ao fim, podes ter-te debatido com algumas destas questões - aconteceu comigo. Mas eu também orei - e abaixo estão algumas das ideias que me vieram à mente.

Algumas ideias

Algumas das leis e muito do que acontece no Antigo Testamento são difíceis de entender porque nós as vemos através das lentes da nossa própria cultura, que foi fortemente influenciada pelo Cristianismo, mesmo que esteja progressivamente a se afastar dessas raízes e tenha muitas falhas. A cultura é uma coisa relativa, em constante mudança e exerce um efeito profundo e largamente inconsciente sobre as pessoas que nela vivem. Deus não está tão preocupado em retirar os homens do contexto da sua formação cultural, mas sim em que eles vivam de acordo com Seus princípios dentro dela. Muitas leis do Antigo Testamento estão à frente do seu tempo ao instituírem equidade e justiça no que é essencialmente a cultura da Idade do Ferro. Entre as leis que achamos difíceis, estão outras que podemos aprovar de todo o coração. Por exemplo: “Não roubar”, “Não mentir”, “Não enganar”, “Não fazer nada que coloque em risco a vida dos outros”. [18] A preocupação de Deus com os pobres, os órfãos e as viúvas é bem conhecida e vemos isso em todo o Antigo Testamento.

A forma como consideramos questões como a escravatura na Bíblia dependerá muito de onde encontramos os nossos absolutos, seja com Deus ou nos valores humanistas da cultura do século XXI. É muito claro que as nossas ideias sobre a dignidade, liberdade e justiça do homem são bastante diferentes das de Deus. Erramos quando temos uma visão tão elevada do homem que ficamos com uma visão baixa de Deus.

O estatuto relativamente baixo da mulher no Antigo Testamento e até, em certa medida, no Novo, é igualmente preocupante para as mentes modernas, embora as mudanças demorem a ocorrer até mesmo nos nossos dias. Mas certamente uma parte da submissão a Deus também envolve aceitar o Seu julgamento das coisas. É o orgulho humano que procura tornar homens e mulheres "iguais'' (no sentido em que o entendemos atualmente). A vida tem valor não devido à nossa posição em relação a outros homens, mas devido à nossa posição em relação a Deus. Mesmo se eu fosse uma escrava, e uma mulher, mas vivesse uma vida de humilde submissão e obediência a Deus e à Sua vontade, então no Céu não seria inferior a qualquer rei. Esquecemos que esta vida é um mero piscar de olhos quando comparada com a eternidade, e isso faz-nos valorizar excessivamente o que nos acontece aqui.

Romanos 9 é um comprimido difícil de engolir para muitos cristãos. Lê os versículos 7-24 e vê quão elevada é a visão de Deus sobre a liberdade do homem. Em resposta à pergunta - “será Deus injusto?” que surge em todas as nossas mentes quando lemos esta passagem, Paulo tem apenas isto a dizer: “Mas quem és tu, um ser humano, para responder a Deus? O que é formado dirá a quem o formou: Por que me fizeste assim?" [19]

Indigno

A maior “injustiça” que Deus cometeu, pela qual lhe agradecemos diariamente, foi oferecer o único homem que nunca pecou e, portanto, não merecia a morte, o único homem que Deus amou acima de todos os outros, como o cordeiro sacrificial que remove o teu pecado e o meu pecado.

O ponto principal é que Deus é Deus e nós somos apenas pó. [20] Se temos “provado e visto que o Senhor é bom'', [21] então podemos lutar com as dificuldades, mas também podemos nos curvar diante do soberano Senhor do universo em humilde mas alegre submissão.

Pois agora vemos como por um espelho em enigma, mas então face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei plenamente, assim como fui plenamente conhecido. (1 Coríntios 13:12, KJV)

Leitura adicional

Dois artigos anteriores da Nucleus consideraram os detalhes do tratamento de Deus aos cananeus:

Referências

  1. Dawkins, R. The God Delusion. Londres, Inglaterra: Black Swan. 2016: 51
  2. Levítico 19:19
  3. Levítico 19:27
  4. 1 Samuel 13: 1-15
  5. 2 Samuel 11
  6. 1 Reis 11
  7. 1 Reis 12: 1-24
  8. Êxodo 21: 2- 6, 7-8, 20-21, 32; Levítico 19:20
  9. Efésios 6: 5-9
  10. Números 16
  11. Josué 7
  12. McGrath, AE, McGrath JC. The Dawkins Delusion: Atheist Fundamentalism and the Denial of the Divine. Downers Grove, Ill: InterVarsity Press, 2007: 90
  13. Êxodo 20:17
  14. Levítico 15: 19-30
  15. Levítico 18:22; Romanos 1: 26-28
  16. Levítico 19: 33-34
  17. Gênesis 22: 1-18
  18. Levítico 19:11, 19:16
  19. Romanos 9:20
  20. Gênesis 3:19; Isaías 40:15
  21. Salmo 34: 8

 

Tradução: Carla Lima
Revisão: Jorge Cruz e Lilian Calaim